As mãos são órgãos essenciais para a nossa interação com o mundo. Agarrar, sentir, escrever, gesticular – cada movimento, por menor que seja, depende da perfeita harmonia entre ossos, músculos, tendões, ligamentos e nervos presentes nessa estrutura tão fundamental.
Quando afetadas por deformidades congênitas, ou, as deformidades presentes desde o nascimento, as mãos podem ter sua funcionalidade comprometida, impactando a vida do indivíduo de diversas maneiras. As atividades cotidianas, o desenvolvimento de habilidades motoras e até mesmo a autoestima podem ser afetados.
Felizmente, a medicina moderna oferece tratamentos eficazes para diversas condições, permitindo que crianças e adultos com deformidades congênitas nas mãos possam superar as dificuldades e viver uma vida mais plena e independente.
O que são deformidades congênitas nas mãos?
Deformidades congênitas nas mãos são alterações anatômicas presentes ao nascimento, que podem afetar ossos, músculos, tendões, ligamentos, nervos ou uma combinação destes. Em outras palavras, são diferenças no formato ou na função das mãos que se desenvolvem enquanto o bebê ainda está no útero materno.
As causas dessas deformidades são diversas e complexas. Em alguns casos, a causa é genética, ou seja, passada de pais para filhos através dos genes. Em outros, fatores ambientais durante a gestação podem interferir no desenvolvimento das mãos do bebê.
Exposição a medicamentos, álcool, tabaco, infecções doenças metabólicas materna são alguns exemplos de fatores que podem aumentar o risco de deformidades congênitas.
É importante ressaltar que, em muitos casos, a causa exata da deformidade permanece desconhecida.
Tipos comuns de deformidades congênitas nas mãos
Diversas deformidades congênitas podem afetar as mãos, como as citadas a seguir.
Deformidade Sindactilia
A sindactilia, também conhecida como união dos dedos, é uma das deformidades congênitas mais comuns da mão. Geralmente, não está associada a outras condições sistêmicas ou síndromes, sendo uma deformidade isolada. Embora existam casos mais raros relacionados à Síndrome de Poland e Síndrome de Apert, por exemplo.
Segundo estudos, afeta cerca de 1 a cada 2.000 nascidos vivos, predominando no sexo masculino e ocorrendo nas duas mãos em torno de 50% dos casos.
Em alguns casos, além da fusão somente da pele, também pode haver fusão óssea, com alterações tendíneas e neurovasculares.
A correção cirúrgica ideal deve ser realizada precocemente, antes da idade pré-escolar, para evitar deformidades congênitas estruturais progressivas nos dedos e promover um melhor retorno da função.
Na maioria das vezes, é necessário utilizar enxerto de pele retirado de outra parte do corpo, como virilha ou antebraço, para cobrir a área após a liberação cirúrgica.
Figura. Sindactilia da terceira comissura. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Raio-x da sindactilia. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Sindactilia com deformidade dos dedos e fusão da unha. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Técnica cirúrgica de separação dos dedos. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Sindactilia na Síndrome de Apert. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Deformidade Polidactilia
Polidactilia é a condição em que há presença de um ou mais dedos duplicados. Ela pode ser classificada como Pré-axial (do polegar), Pós-axial (do dedo mínimo) e Central (dos dedos centrais).
A polidactilia pré-axial é uma das duplicações mais comuns e geralmente ocorre de forma isolada, não estando associada a síndromes ou outras doenças. A duplicação do polegar pode ocorrer em diferentes níveis, incluindo a falange distal, falange proximal ou metacarpo, podendo ser total ou parcial.
O tratamento cirúrgico é recomendado precocemente, idealmente antes da idade pré-escolar, com o objetivo de remover o polegar menos desenvolvido e reconstruir o polegar mais desenvolvido. Em casos de duplicações simétricas, outras técnicas de reconstrução podem ser utilizadas, dependendo do caso.
Já a polidactilia pós-axial envolve o dedo mínimo e pode ocorrer como uma duplicação completa, incluindo osso, tendões e musculatura, ou como uma duplicação pediculada, envolvendo apenas pele e estruturas neurovasculares, sem conexão óssea. O tratamento cirúrgico também é indicado nesse caso, com a remoção do dedo menos desenvolvido e a reconstrução do dedo dominante.
Figura: Polidactilia pré axial e seu planejamento cirúrgico. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Polidactilia pós axial. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Polidactilia central. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Polidactilia central- Mão em espelho. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Clinodactilia
Define-se pelo desvio lateral de um dedo, geralmente o dedo mínimo em direção ao dedo anelar, devido a um formato anormal dos ossos.
Figura. Clinodactilia. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Síndrome da Banda Amniótica/ Bandas de Constrição
Causada por fibras amnióticas que comprimem ou “estrangulam” partes do feto durante a gestação, pode resultar em deformidades que variam desde constrições leves até amputações de dedos. Embora relativamente rara, essa síndrome é uma das causas mais comuns de amputações congênitas de membros.
Figuras: espectro da Síndrome das bandas de constrição. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Deformidade Artrogripose
Trata-se de um termo genérico para definir um grupo de condições que causam contraturas articulares, ou seja, limitação da movimentação das articulações. Nas mãos, a artrogripose pode se manifestar com dedos curvados, punhos fixos em uma determinada posição e dificuldade para realizar movimentos finos.
Figuras: exemplos de deformidades nas mãos em pacientes com artrogripose. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Polegar em gatilho congênito
Engatilhamento do polegar com postura em flexão fixa, pode estar presente ao nascimento ou se desenvolver com o crescimento. Está relacionado a um espessamento do tendão flexor do polegar, ou nódulo de Notta, que atrapalha o deslizamento tendíneo. O polegar é mais acometido que os outros dedos e pode ser bilateral em cerca de 30% dos casos. Tratamento conservador com exercícios e excursão tendínea tende a melhorar maior parte dos casos, mas os casos refratários ou mais graves requerem cirurgia com liberação da polia que prende o tendão.
Figura: Palpação do nódulo de Notta no gatilho congênito do polegar. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura. Liberação da polia. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Hipoplasia do polegar
É um espectro de malformação do polegar que inclui desde diminuição no tamanho do polegar até ausência completa do polegar. Pode estar relacionado a algumas síndromes que acometem olhos, coração, rins punho, esôfago e outros orgãos, por isso uma avaliação genética é fundamental.
O tratamento é baseado no grau de hipoplasia. Em casos leves pode se realizar a reconstrução do polegar e em casos mais graves a policização, ou seja, transformar o dedo indicador em polegar.
Figura. Tipos de hipoplasia de polegar. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: resultado da policização. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Mão em Fenda
Deformidade dos dedos centrais, que pode ser bilateral em cerca de 50% dos casos e acometer os pés e as mãos.
Pode haver outras alterações na mão como sindactilia, polidactilia, braquidactilia e frequentemente a primeira comissura está alterada. Algumas síndromes podem estar associadas como a EEC (Ectrodactilia, displasia ectodérmica e fenda palatina).
O tratamento é cirúrgico na maior parte dos casos, considerado por Flatt “Um triunfo funcional e um desastre social”.
A cirurgia depende de caso a caso e pode incluir: remoção de ossos acessórios, liberação da sindactilia, fechamento da fenda e abertura da primeira comissura.
Figura: Espectro da mão em fenda. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Figura: Exemplo de cirurgia para mão em fenda, técnica de Snow Littler. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Macrodactilia
Dedo desproporcionalmente grande notado normalmente já no nascimento. Maior parte dos casos é uma condição isolada, associada a lipofibromatose. O dedo indicador é o mais acometido de forma isolada, podendo a levar encurvamento dos dedos em formas mais graves. A forma mais comum é unilateral.
Pode estar associada a síndromes como um componente da neurofibromatose, Ollier, Maffuci, Klippel- Trenaunay- Weber e Proteus.
O tratamento cirúrgico depende da gravidade. Inclui tentativa de emagrecimento do dedo, correção de desvios angulares, fechamento fisário e até amputação, em alguns casos.
Figura: Macrodactilia. Fonte “Greens Operative Hand Surgery 7th edition”.
Como tratar deformidades congênitas nas mãos?
O tratamento para deformidades congênitas nas mãos varia de acordo com o tipo e gravidade da condição. Em alguns casos, a fisioterapia ou terapia ocupacional pode ser suficiente para melhorar a funcionalidade, fortalecer os músculos e aumentar a amplitude de movimento.
Em outros casos, a cirurgia se faz necessária para corrigir a deformidade, liberando tendões, reposicionando ossos, separando dedos unidos, reconstruindo estruturas ausentes ou transplantando tecidos.
As técnicas cirúrgicas evoluíram significativamente nas últimas décadas, e hoje, com a microcirurgia, é possível realizar procedimentos minimamente invasivos com menos cicatrizes, menos dor no pós-operatório e recuperação mais rápida.
No entanto, é importante ressaltar que para realizar uma cirurgia em deformidade congênitas das mãos o médico precisa ter experiência, conhecimento e habilidade técnica, pois este tipo de procedimento é delicado e minucioso. Por isso, é fundamental buscar a ajuda de um médico ortopedista especializado em cirurgia de mão e microcirurgia para garantir um tratamento adequado.
Portanto, se tiver alguma dúvida ou sentindo algum desconforto em suas mãos, fale comigo!